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Mostrando postagens de agosto, 2022

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASIL

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A terra das coisas trocadas STUART SCHWARTZ a ''privatização'' não é novidade na história do Brasil. Na verdade, a privatização dos poderes políticos e econômicos foi apontada por vários observadores como a causa dos problemas brasileiros ao longo de quase 500 anos. A curiosa e quase sempre tensa relação entre vida privada e vida pública preocupou, por muito tempo, os historiadores no Brasil. Os brasileiros têm uma longa experiência de vários governos tentando, sem sucesso, ser absolutistas ou autoritários, ao limitar e restringir a participação de seus súditos e cidadãos na vida pública, mas a experiência estende-se também a uma sociedade na qual poder e autoridade foram frequentemente uma extensão da vontade privada e do interesse das famílias de elite. Esse conflito foi especialmente verdadeiro nos tempos coloniais e os historiadores brasileiros, em vários e diferentes momentos, viam nas deficiências desta sociedade uma explicação para o rotineiro mal-estar da mesma.

Máscaras Africanas

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MÁSCARAS AFRICANAS: Máscara. Arte fang. Museu do Homem, Paris. As máscaras sempre foram as protagonistas indiscutíveis da arte africana. A crença de que possuíam determinadas virtudes mágicas transformou-as no centro das pesquisas. O fato é que, para os africanos, a máscara representava um disfarce místico com o qual poderiam absorver forças mágicas dos espíritos e assim utilizá-las em benefício da comunidade: na cura de doentes, em rituais fúnebres, cerimônias de iniciação, casamentos e nascimentos. Serviam também para identificar os membros de certas sociedades secretas. MÁSCARAS AFRICANAS: Máscara de boi com mandíbula móvel. Arte ibibia. Museu do Homem, Paris. Em geral, o material mais utilizado foi a madeira verde, embora existam também peças singulares de marfim, bronze e terracota. Antes de começar a entalhar, o artesão realizava uma série de rituais no bosque, onde normalmente desenvolvia o trabalho, longe da aldeia e usando ele próprio uma máscara no rosto. A máscara era criada

A identidade sócio-cultural da capoeira no século XIX, bem antes de virar ginástica

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Gil Cavalcanti (Mestre Gil Velho) * Ainda hoje, muito se discute sobre as origens da capoeira. Mas as perspectivas do debate estão atreladas aos diversos discursos que vestem sua imagem moderna, a esportiva. Parte-se de idéias construídas, e não de práticas sociais espontâneas. A capoeira carioca está historicamente imbricada às maltas de capoeiras da cidade e à “filosofia da malandragem carioca” dos anos 1800. A baiana, por sua vez, está ligada à cultura negra baiana e especificamente ao candomblé. No Recife, ela se manifesta nas gangues de rua Brabos e Valentões. Para analisarmos a essência da capoeira, temos que voltar no tempo e considerar o contexto da realidade sócio-cultural de espaços com registros identitários e territoriais dela. Neste olhar, destacam-se dois loci: Rio de Janeiro e Recife. Estes dois centros urbanos eram, no século XIX, os maiores pontos de comunicação com o resto do mundo, onde mais circulava gente, idéias, comércio. As zonas portuárias permitiam a troca de

Palmares entre sangue e fogo desde 1602

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Flavio José Gomes Cabral Pouco se sabe sobre o cotidiano e os primeiros anos no quilombo de Palmares. As fontes relativas a esse quilombo começam a surgir com mais intensidade a partir de 1670, quando da mobilização de tropas organizadas pelas autoridades coloniais para destrui-lo. Entretanto, há notícias de expedições a partir de 1602 comandadas pelo oficial português Bartolomeu Bezerra que resultaram na destruição de mocambos e na apreensão de alguns fugitivos. Na realidade, os manuscritos são de natureza pública, tratando-se de pareceres, alvarás e relatos de comandantes sobre estratégias de guerra, e pouco revelam detalhes do cotidiano palmarino. Nos documentos, essas pessoas são chamadas de “negros alevantados”, que começaram a crescer depois de 1630 durante a ocupação do Nordeste pelos holandeses. Aproveitando a desordem provocada pela invasão flamenga, os negros fugiam das senzalas, indo se refugiar nos mocambos da região da Serra da Barriga, no atual território de Alagoas. A ár

Caudilhismo e caciquismo: as ditaduras sul-americanas

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Francisco Carlos Teixeira da Silva Os últimos eventos nas repúblicas sul-americanas envolvendo e revelando a fragilidade da representação política e as instituições da democracia liberal nos levam a uma reflexão sobre as origens do autoritarismo no continente. A edição de 1729 do dicionário de espanhol da Real Academia de España nos dá uma perfeita definição da noção de cacique ou caudillo: …el domínio del más enérgico o el más violento, que se convierte en el primero de su pueblo o de la república, el que tiene más mando y poder, y quiere por su soberbia hacerse temer y obedecer de todos los inferiores. Sua origem, bem como a explicação de sua longa sobrevivência na história latino-americana, explicar-se-ia através do vazio institucional surgido na esteira das invasões napoleônicas e das guerras de independência no alvorecer do século XIX. Frente ao colapso do estado espanhol, personagens locais, na maioria das vezes criollos até então apartados do poder político por medidas discrimi

O FAVOR E A POSIÇÃO SOCIAL DO HOMEM LIVRE POBRE NO ROMANCE RURAL DO XIX

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O FAVOR E A POSIÇÃO SOCIAL DO HOMEM LIVRE POBRE NO ROMANCE RURAL DO XIX AutoresFernando C. Gil Universidade Federal do Paraná Palavras-chave: Romance rural. Um mestre na periferia do capitalismo. Homens livres pobres. Resumo O ensaio reflete sobre a figuração social dos homens livres pobres no romance rural do século XIX. A partir da abordagem da “sorte dos pobres” no estudo Um mestre na periferia do capitalismo, de Roberto Schwarz, procura-se analisar não somente a centralidade desta figura, mas também a sua posição social variada na ficção rural. Biografia do Autor Fernando C. Gil, Universidade Federal do Paraná Professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Paraná/CNPq. Referências ALENCAR, José. O tronco do ipê. 4 ed. São Paulo: Ática, 1980. ALENCAR, José. O sertanejo. São Paulo: Edigraf, s.d. ALENCAR, José. Til. São Paulo: Escala, s. d. CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores. São Paulo: Mameluco, 2009. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasile

O Cronotopo nas imagens da pobreza em Dostoiévski

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O Cronotopo nas imagens da pobreza em Dostoiévski Marisol Barenco de MelloUniversidade Federal Fluminense Resumo O ensaio busca seguir as linhas de fuga traçadas por Bakhtin em Problemas da Obra de Dostoiévski e a seguir na sua reformulação em Problemas da Poética de Dostoiévski, quando Bakhtin, ao ressaltar como peculiar na poética daquele autor, revela o caráter de ideólogo das suas personagens. Como um centro de valor humano que toma consciência de si e do mundo, o herói de Gente Pobre, Makar Dievúchkin, trava diálogo ativo com uma obra de Gógol, O capote, mas vai além, não só superando a condição mortificadora da personagem de Gógol, mas afigurando, em sua própria tomada de consciência, a própria pobreza enquanto fruto da divisão social na Rússia dos anos 1840. Neste ensaio, buscamos fazer uso da noção de Cronotopo, em Mikhail Bakhtin, empreendendo uma leitura das séries espaciais, temporais e semânticas das imagens de Dostoiévski, revelando a sua construção estética enquanto o va

Quem tem medo de vacina?

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No início do século XX, tratamentos bacteriológicos causaram revolta e desconfiança até entre médicos e cientistas Jorge Augusto Carreta Durante a manhã, o médico Francisco Fajardo trabalhou normalmente. À tarde, porém, pediu licença a uma paciente e foi se vacinar. Misturou na seringa a vacina e o soro antipestosos (contra a peste bubônica) e os aplicou na região abdominal. Pouco depois das três horas da tarde, vestiu-se e voltou à sala para continuar a consulta. Alguns minutos depois, a paciente o olhou assustada: estava muito pálido. Em seguida, suas orelhas ficaram vermelhas e os olhos injetados, e surgiram manchas rubras no rosto. Com falta de ar, o médico caminhou para a sala onde pouco antes se automedicara e deitou-se na cama. Esfregava a região do coração e pedia o aparelho de respiração artificial. O doutor Carlos Seidl, que estava no consultório, veio em socorro do colega. Pouco depois, Fajardo perdeu os sentidos. Vários outros médicos acorreram à clínica, entre eles Rocha F

Utopias urbanas e o giro decolonial

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Fordlândia Urban utopias and the decolonial perspective Utopías urbanas y el giro decolonial Ester LimonadRoberto Luís Monte-Mór Resumo Ensaiamos aqui um exercício teórico de reflexão sobre utopias urbanas, um urbano-natural, que almejem relações sociedade-natureza alternativas e projetos utópicos societais equânimes, que fortaleçam a solidariedade social, outras relações sociais de produção, outras formas de produzir o espaço social (e diferenciado) e outras formas de vida cotidiana capazes de enfrentar a acumulação capitalista. De uma perspectiva latino-americana contemporânea, seria inviável abordar utopias urbanas e possíveis expressões do urbano-natural, se não numa abordagem crítica. Essa tarefa envolve alguns passos. Um primeiro concerne à utopia, às utopias urbanas e à natureza. Um segundo é a desmistificação da modernidade ocidental e de outras concepções atinentes à relação sociedade-natureza, fundada no giro decolonial. E o terceiro, baseado em Quijano, Walsh e Lefebvre, vis